jeudi 9 octobre 2008

As perguntas filosóficas dos brasileiros

Peço desculpas pelos erros ou imprecissões, mas o texto foi muito mais um desabáfo do que qualquer outra coisa...


É chavão dizer que cada pensador é reflexo de seu tempo e de sua cultura: que ele utilizava a linguagem da época, que se debruçava sobre problemas que ele enfrentava, provenientes de seu mundo, que vivia! seu próprio tempo. Ninguém discute que Platão era um cara grego, que viveu em não sei em que século antes de cristo; ou que Nietzsche é alemão e que esteve por ai não faz muito.

Mas e nós? sobre que linguagem temos de nos debruçar para podermos pensar? Quais problemas são dignos o bastante para se enquadrarem no escopo da Metafísica, da Ética, da Lógica…? Para entrar na história da filosofia… Será que hoje produzimos alguma filosofia que nos dá identidade, que se debruça sobre nossa linguagem, nossos problemas? Que vive nossos próprios problemas?

As respostas para estas perguntas normalmente são: “vc está querendo equiparar as suas, ou mesmo as nossas questões, com as de Platão, Nietzsche…?” “vc não acha que, para começar a pensar, o que se pensou já está bom?” “Um novo tipo de pensar pra que? Já têm tantos por aí... tanta história!… se filia a uma corrente e vê no que dá... às vezes até dá coisa boa”!

Ou mesmo mais :“vc acredita mesmo que o português falado no Brasil, que foi aqui imposto, e tem nome de outro povo, pode dar conta de falar de coisas como ‘essência da linguagem’, ‘linguagem originária’? “esse mesmo (?): que fala ‘pobrema’, ‘brejela’…vc só pode estar brincando!”

Ou, “será que essa nossa vidinha medíocre: que acorda de manhã pra trabalhar, que come uma ‘malmita’ na rua, e chega em casa de noite, esperando apenas o torpor da novela pra embalar nosso sono… ou o domingo de futebol”. “Não, nossa vida não é digna da filosofia! Nossa linguagem não é boa o bastante! Nosso povo não é digno da metafísica!” “Talvez nem estes aí, os intelectuais, são bons o suficiente… a gente só considera eles se estão voltando de Harvard ou se não os entendemos.”

“Talvez essa metafísica seja digna somente dela mesma!”. “E se é assim, deixa ela lá, e eu aqui!” “Ta tudo muito bem, eles nem são tão caros se vc pensar bem… dá até um ar ‘europeu’ às nossas instituições”.

Estas respostas seriam todas bem pertinentes, e são um grande material de pesquisa filosófica porque eminentemente, muitas vezes, é o que sentimos. Por outro lado, elas são o reflexo de nossa “síndrome de vira-latas”, para usar uma expressão de Nelson Rodrigues. E porque não, são reflexos de nossa constituição história, nosso tempo, nossa linguagem… nossa vida!

Nossa vida cotidiana abdica (ou lhe é imposto essa recusa) da experiência extra-ordinária de pensar, dá possibilidade de incorporar o pensar ao viver, em nome de não ter que pensar… para se debruçar na necessidade de viver (sobreviver)! Mas, para sermos um pouco filosóficos: em todo lugar onde vive o homem é possível pensamento - é possível exercer uma algo a mais que sobreviver; é possível reforçar, intensificar nosso próprio viver…

“ah?! Lá vem a metafísica! Reforçar nossa vida? Pra que? Nossa vida já é ruim o suficiente! Aqui já tá ruim assim! Reforçar o que tem é piorar, ou pelo menos não corresponde ao que eu quero!”.

Como disse o Leo, esse reforço só atrapalha a vida cotidiana, e ordinária; e mais ainda, só cria a possibilidade de desordenamento social, quando é sincero. A possibilidade de desarrumação do que foi arrumado para que parecesse natural, ou para que parecesse o vício de indivíduos isolados: estupradores, ladrões de galinha ou papel higiênico. Ninguém sabe da onde vem ou quem são; na maioria das vezes, nem mesmo eles… Mas, nós, seja pensando filosoficamente, metafisicamente ou não, temos a obrigação de saber. Tai uma questão que nos pertence, porque nós a vivemos. Que se dane a metafísica se não possibilitar pensar nossa vida; e nesse sentido a recusa popular tem algo de justificável. É nosso tempo, nossa parte na história, nossa vida!

O Brasil além de não se achar digno de se pensar, não o faz por medo de expor seus próprios escárnios. Ver que a sociedade que cria a delinqüência é composta por nós. Que quem nos sujeita são os próprio sujeitos autônomos da sociedade que vira e mexe nós somos o porta-voz. Temos medo de expor que parte de nosso pensamento corrobora com toda esta estrutura que privilegiam alguns. Isso mesmo! Que algo em nós, enquanto constituidores dessa (des)ordenação social, tem responsabilidade.

Enquanto o trabalhador quiser ser o burguês, sua vida será sempre uma vida do ainda não; porque uma sociedade não vive só de burgueses, por mais que os pós-modernos queiram… temos querer algo de outro para nós mesmos.

Pensar dá trabalho, dói, transforma… quem quer isso? Quem quer pensar sobre si mesmo como pertencente de algo comum? Quem quer pensar que vive eminentemente com os outros? Quem quer dignificar essa mesma língua que escarna quando alguém erra? Ela é sua, ela é nossa! Quem quer se perguntar, porque nos organizamos tão eficientemente em termos produtivos, e porque ainda vemos pedintes nas ruas? Vivemos com os outros, produzimos com os outros… mas quem é o outro?

O outro é o que, muitas vezes almejamos ser, é o que eternamente não somos… Quem é o outro enquanto nós mesmos, quem é o brasileiro?!

lundi 18 février 2008

O delírio platônico de Paris

12/02 - Paris - Não é exatamente um texto sobre a viagem mas sobre uma impressão sobre a cidade de Paris. Admito que tem uma certa dosagem acadêmica, entretanto, já tinha escrito resolvi postar. Os próximos vou tentar evitar.


Em um dos textos mais famosos da história da filosofia, Platão funda sua "cidade ideal" em um princípio muito simples, a saber: cada um estará encarregado de apenas uma especialidade na cidade. Em outras palavras, ninguém vai meter o bedelho no trabalho de um artesão se não conhece do assunto, ou em qualquer outra técnica. Digamos assim, na cidade platônica, cada um faz o que sabe, que no fim tudo da certo; "trabalha e confia". Esta premissa é muito simples e facilmente aceitável, vide principalmente se pensarmos em nossa sociedade atual fundada na divisão do trabalho. Quem iria duvidar do atestado de um técnico não entendendo do assunto nos dias de hoje.

No entanto, este ser familiar com certo metier que lhe concerne, ser detentor de um conhecimento e ao mesmo tempo executor de tal tarefa, o grego chamava de TEKHNE; às vezes traduzido como técnica, outras como arte. De forma geral, podemos dizer que a cidade fundada pelo discurso de Platão é enraizada pela arte. Assim, política e arte, segundo Platão, são muito mais do que duas instâncias distantes nos currículos de filosofia, mas estão intimamente relacionadas. Depois dessa breve introdução podemos fazer a reflexão sobre a viagem.

Paris parece ser a "prova viva" de que o delírio Platônico de uma cidade fundada na arte é possível, ou ainda, muito mais do que um devaneio da linguagem, é real. O que isso quer dizer? Que Paris atende as necessidades impostas pelo discurso platônico para uma cidade feliz...? Falar da realidade da cidade platônica em Paris, ao menos em partes, é salientar, realçar, enfatizar o que ela tem de bom e de ruim. Partamos então.

Não é necessário muito tempo em Paris pra notar que aqui "só tem artista". Isto é, assim como a de Platão, a arte é também fundamento da cidade de Paris. Ora, nada de surpreendente na medida em que aqui se encontram alguns dos maiores museus do mundo: Louvre, d'orseil, Rodin, Pompidou... sem falar nas monumentais igrejas e prédios históricos. Em outras palavras, Paris é um prato cheio pra "passeios cults", sem a menor sombra de dúvida. Todavia, não era disso que eu falava. Como salientei no texto anterior, a possibilidade de se surpreender com uma manifestação do “sobrenatural de almeida”, pra usar uma expressão de Nelson Rodrigues, é intrínseca a cidade de Paris. Há arte por todos os lados, mesmo quem pouco vê está ciente disso aqui.

Conversando com Stefan um dia sobre meus amigos artistas, e como eles se sentiriam bem com este ambiente propicio a arte, ele me alertou pra algo: todo mundo aqui é artista! Uma amiga que trabalha no albergue é bailarina, outro é diretor... fora os que ficam fazendo performance pelas ruas, nos metros, na frente das igrejas... Uns com apresentações de ilusionismo, dança, música clássica, hip hop etc.

Contudo, junto com esses muitos artistas, temos que contar ainda com um outro tipo: aquele que molda sua arte às exigências do turista ou, ainda muito pior, uns indivíduos com 20 poucos anos sentados no chão, plenamente saudáveis a primeira vista, com uma plaquinha escrita "por favor, me ajude, estou com fome". Têm pedintes aqui que se não forem classificados como artistas, não sei como fazê-lo. Nas palavras da amiga de Mariana: "isso aqui é um circo!"

Parece então que estamos traçando duas linhas de pensamento contraditórias entre si. Uma diz que Paris está fundada na arte, e outra que diz que muito dessa arte não tem nada de artística, mas é eminentemente comercial ou aproveitadora. Surpreendemente contudo, diremos que nenhuma das asserções são falsas. Nem a que aponta pra riqueza de artistas envolvendo a cidade com um clima aurático, nem a que aponta pra palhaçada que vem junto.

Paris é fundada na arte, e isto é evidente pra qualquer observador, seja bom ou ruim. E talvez por isso mesmo, na comercial necessidade de aparecer sem ser, mora junto a palhaçada; a arte pra Inglês, Português e, principalmente, Japonês ver. Junto com o artista vem também o arteiro.

A arte que dá a identidade de Paris é a mesma que a degrada, a que traz o estrangeiro cheio de opiniões formadas pelos manuais de turismo, que precisa que algo esteja piscando pra que note, ou para quem tudo é fantasia. Isso é, o idiota. Idiota, na raiz da palavra grega, diz daquele que não é sabido de uma técnica/arte específica. Podemos dizer então, que ser idiota em certos meties é algo completamente natural. O grande problema político é não saber disso, não assumir sua própria idiotice frente ao que lhe é estranho e se colocar na abertura da possibilidade de que algo extraordinário aconteça. O que acontece frequentemente é que no lugar dessa idiotice socrática saudável, toma conta o niilismo da visão turística. O paradoxal é que sem eles, os idiotas metidos a sabidos, e seus dólares e euros obviamente, Paris dificilmente se sustentaria, principalmente financeiramente; mas desconfio até que muito mais do que isso, sem o estranho Paris não é Paris. A identidade de Paris flutua como uma criança se equilibrando num parapeito entre o belo e o bizarro.

Fica então a pergunta suspensa: de que artistas e idiotas seria feita a cidade platônica, será que dos mesmos que em Paris? Se no discurso cabe um não, no sentido de uma cidade “feita de melhores”, fundada na excelência... na efetivação desse mesmo princípio, ele mostra sua potencialidade de face nefasta e medíocre. Paris é semelhante a proposta da “República” na medida em que enfatiza o que ela tem de potencialmente problemática e ao mesmo tempo virtuosa, o que ela é, não é; mas principalmente, o que ela não pode ser, e o que ela tem de ser.

Explorando ainda mais essa alucinação, talvez essa mesma situação paradoxal entre política e arte esteja na raiz da anti-patia francesa frente ao estrangeiro, expressa muitas vezes no seu orgulho por sua língua, e em muitas vezes, falta de compreensão para com aquele que ali não pertence. Por que acolher o idiota? Em outras palavras, a linguagem é o lugar mais evidente para demonstração de que a Pólis Parisiensese se funda em um princípio estranho, a saber: a necessidade de estabelecer os limites do que é seu, e por isso mesmo de mais nenhum outro; e, ao mesmo tempo, fazer com que o outro esteja presente, pois caso contrário não sobreviveria. É entre a má vontade e a bajulação que a gente vai levando a vida pra financiar o extraordinário.

Esta história está longe de ser resolvida, o certo é que na mesma Paris Platônica contemporânea onde mora o artista, mora também o palhaço. No mesmo lugar onde habita o profundo sentimento de estar perdido e aberto ao que pode lhe surpreender, habita também o idiota alheio a tudo isso, sendo possivelmente inevitável viver sem ele. Nesta babel de línguas, cultos, ritos... vive uma cidade em busca da unidade na diversidade, sendo a busca ela mesma sua própria beleza. Como seria isso possível se não fosse platônico?!

dimanche 10 février 2008

Paris - cidade da perdição

31/12 - Paris - Se tivesse de ser descrita, certamente este nome cairia muito bem como substituto de “cidade luz”. Não que os traços marcados do iluminismo estejam se degradando ou se escondendo pela cidade, muito pelo contrario, eles saltam aos olhos por todas as partes. A luz de paris é “something else”. Todo dia é dia de aurora ou dia de presenciar as belezas construídas pela imponência da razão. Contudo, estar em Paris é estar perdido. Mesmo os habitantes locais vivem costumeiramente com um mapa do metrô na mão, ou olhando as direções das placas e os mapas pregados pelos pontos da cidade. Perguntar por sentidos, referências e localizações é muito mais do que “coisa de turista” A minha desconfiança é de que estar perdido em Paris vai além de uma situação cartográfica, é uma “realidade de espírito”. Obviamente, as desvantagens deste tipo de vida são bastante evidentes. A sensação de andar ao relento é angustiante e, na maioria das vezes, também irritante. Entretanto, se estar perdido em Paris perpassa realmente a essência da cidade, tal estado tem também seu encanto.

No meu primeiro dia em Paris, sem lugar pra ir, resolvi parar em um bairro que havia ouvido falar pelos meus amigos. Era algo em torno de 8:00 da manha e estava muito frio. Pro meu deleite, logo descobri que casaco de couro não esquenta no frio. Para aumentar o drama do cenário, eu não havia dormido nada no dia anterior, já que passei a noite no aeroporto Charles de Gaule. Por sinal, uma experiência muito angustiante, já que além do frio, eu estava preocupado demais com as pessoas que vagavam por lá pra conseguir dormir. Assim, depois de uma noite praticamente em claro, encontrava-me no meio da rua com duas malas andando pelo centro de Paris.

Depois de certo tempo, deparei-me com uma das mais belas estruturas que já vi na vida, uma catedral gótica. A iluminação do clarear do dia (aqui amanhece bem tarde), a arquitetura e a minha situação fizeram da minha primeira visualização uma experiência aurática. Segundo as palavras de Benjamin, a aura é a experiência de um “aqui e agora”, radical e insubstituível frente a uma obra única. Apesar da minha postura, ao mesmo tempo, emocionada e um pouco desesperada por não saber para onde ir, notei que algumas pessoas começaram a abrir a porta da catedral e entrar. Perguntei em um francês bem enrolado se poderia entrar com a mala, e a pessoa disse que não havia problema.

Lá dentro, após permanecer alguns minutos admirando algumas obras que ficavam ao lado dos acentos principais, notei que as pessoas estavam se endereçando a parte central da catedral, onde haviam alguns bancos suspensos. Depois de alguns instantes, com as pessoas já dispostas em seus acentos, inclusive alguns de joelhos, um padre começou a rezar uma missa. Senti uma emoção muito grande, como se eu realmente fizesse parte do culto, apesar de não entender uma palavra do que ele falava. Só haviam poucas pessoas no local, mas a devoção de alguns senhores e senhoras idosos, praticamente se arrastando até ali, foi tocante. A experiência certamente vai muito além da possibilidade de descrição. Podemos pensar Kantianamente e dizer que, nessas experiências estéticas (sentido) o que vale é justamente o fato de se constituírem como uma experiência e não como um discurso. Com isso, ganho uma certa desculpa arranjada para minha falta de talento na narração. O certo é que saí de lá revigorado e pronto pra continuar perdido em Paris. A catedral em questão era a Notre Dame.

Andava pelas ruas e, vez por outra, era surpreendido por uma bela igreja, um singelo parque, um pequeno charmoso café ou ainda um prédio de magnífica arquitetura. Andar “despretensiosamente” por Paris, às vezes com aspas, outras vezes sem; querendo encontrar algo, outras vezes não, é estar na absoluta possibilidade de se surpreender. Heráclito diz algo como: quem não espera o inesperado, pra ele não tem vias de acesso... pois, diria eu, que Paris acena a todo momento, com bandeiras e fogos, para esse colocar-se no aberto de uma experiência radical com o inesperado, à abertura do ser. A força desse aceno a possibilidade do súbito de uma experiência radical é quase um tapa na cara a todo momento, parece fazer parte estrutural da cidade; muito mais do que estar reservada a um museu específico ou uma bela paisagem.

Já vi apresentações na rua de música e performances que certamente mereceriam um espetáculo próprio, no entanto, perderiam a habitação deste inesperado; não beberiam dessa fonte de aura invisível que funda a essência de Paris, não estariam perdidos resguardando seu acontecimento próprio, se fossem deslocados pra outro espaço. Paris é a cidade da perdição por que, como diz Noel, “quem acha, vive se perdendo”.

dimanche 27 janvier 2008

Amster - DAMN!!!

Amsterdã – 30 de dezembro – Durante minha curta estadia em Amsterdã, a cidade me surpreendeu enormemente. Os habitantes locais são incrivelmente simpáticos e prestativos caso você precise de alguma informação, todos falando muito bem inglês e muitas vezes alemão. Tenho que confessar que isso me foi de grande ajuda porque nunca estive tão perdido na vida.

A cidade tem uma arquitetura muito peculiar; simples mas elegante. Esse parece ser o princípio que rege toda a cidade. É incrível como algo pode ser, ao mesmo tempo, eficiente e singelo; dando a Amsterdã um ar extremamente peculiar. Os prédios são todos baixos e parecidos, distintos entre si quase que exclusivamente por suas cores. No entanto, em certas regiões, Amsterdan parece uma cidade cenográfica. Andando pelo subúrbio você pode de repente notar que não há nenhuma alma viva perto de você, nem mesmo em seu raio de visão, além de todas as janelas e cortinas estarem fechadas, possivelmente para se proteger do frio e manter a privacidade.

O certo é que se você não se sentir confortável com esse tipo de solidão provocada pela cidade nesses momentos, e pela maneira apropriada de se portar nela; ela pode lhe proporcionar certa tristeza. Sim, apesar de todos aparentemente fazerem o que querem, a cidade reclama por uma maneira de portar-se em cada lugar; mesmo que este lugar seja um coffeshop...

Aqui tudo tem seu lugar. Por incrível que pareça, Amsterdan me deu a impressão de ser a cidade mais “Apolínia” que eu já vi. Todas as aparições do “Dionisíaco” estão reservadas a espaços circunscritos. “Perder a linha” em Amsterdã parece ser uma questão de colocar-se de acordo com determinados espaços, de fato, a cidade não se sustentaria apenas na base do carnaval o ano inteiro. A impressão que fica é que isso é coisa de turista, e não poderia ser de outro jeito. Por bem ou por mal, essa regulação subterrânea de Apolo sobre a cidade é o que a sustenta, apesar de, por sua natureza, não ser muito visível aos olhos de quem passa rapidamente. É nesse equilíbrio maluco de natureza, arquitetura e maneira de portar-se que Amsterdã pode lhe proporcionar a mais feliz das solidões.

As pessoas aqui, estranhamente ou não, não olham muito umas pras outras. Tudo parece ter seu lugar apropriado de acontecer, e nesse lugar, pode se usufruir da maneira que se bem entende, desde que não atinja os limites do outro.

A minha ida ao Museu Van Gogh foi igualmente boa e frustrante, se é que isso é possível. Depois de um vôo de 12 horas, quase que inteiro sem dormir, estava exausto já na entrada. O Museu segue o estilo da cidade, conciso em sua aparência exterior e rico em seu interior. Sendo assim, as obras são incríveis! Primeiro são apresentados alguns quadros de artistas que tiveram influência sobre Van Gogh, e depois a coleção permanente é organizada pelo período de composição. Um dos quadros, onde uma lavradora colhe batatas me proporcionou uma experiência fantástica. Realmente é possível sentir todo pesar expresso no quadro.

Entretanto, não gostaria de fazer desse relato um exercício analítico das obras, até porque não sei o quanto me sinto capaz, e o quanto ele seria valido. O mais importante é que são muitos os quadros que valem a viajem pela experiência que proporcionam.

Contudo, nem tudo são girassóis e experiências originárias, o Museu estava abarrotado de gente durante todo o tempo da minha estada. Um fluxo contínuo pelos quadros, possivelmente ditado pelo guia (aparelho de áudio que poderia ser solicitado na entrada), faz com que algo externo as obras dite o ritmo da experiência que ela lhe proporciona. Ou melhor, esse ‘fluxo de vida cronômetrada’ tem um ritmo de batalha, é o WAR dos Museus. Objetivo: conquistar o mundo em 1:30! Geralmente bem sucedido, dependendo da profundidade da experiência que se deseja ter com as obras.

Não me submeti aos ditames do guia eletrônico, mas tive certamente que pagar o preço. Quando você tenta romper o fluxo, as pessoas muitas vezes entram na sua frente, sem a menor cerimônia. Minto, preocupadas em não encostar em você, o que na cabeça delas é muito mais grave que ficar na frente da obra que você está olhando. Certamente não o fazem de maneira rude, todavia, incomoda e irrita, especialmente quando você está próximo de um quadro que julga belo.

Três outros quadros me foram especialmente caros. Dois auto-retratos onde a mão de Van Gogh parece se confundir com as cores da paleta dando uma sensação de que tudo está em uma unidade bem particular. Em um deles Van Gogh está pintando um girassol e a tinta do pincel se confunde gentilmente com as camadas de sua técnica. É realmente impressionante a vivacidade dos quadros! Eu não sei se a arte imita a vida, ou a arte recria, recoloca, reinstaura os limites da vida... só se sei que os quadros falam por eles mesmos.

Um outro quadro me pareceu a manifestação mais evidente do que Heidegger coloca em seu ensaio “A Origem da Obra de Arte”, o embate de Terra e Mundo. No centro do quadro se encontra um lavrador que, ao levantar o feno, parece ao mesmo tempo perdê-lo entre as mãos. Seu esforço apesar de evidentemente “ineficiente” é o que existe de mais verdadeiro e honesto porque, a medida em que recolhe também sabe da necessidade de perder o que busca, assim como de ganhar-se e perder-se no próprio fazer.

No entanto, tenho que confessar que fui vencido na guerra, e o incomodo da multidão superou minha obstinada paciência. Assim sendo, me dirigi a uma exposição paralela chamada “Barcelona 1900”. Nela haviam varias obras de artistas espanhóis do século XIX e XX, que a sua maneira retratavam um pouco da cidade de Barcelona. A exposição é extremamente prazerosa, alguns dos artistas me impressionando bastante (como não anotei os nomes, não dá pra citar...). Um detalhe engraçado foi que na seção comercial havia um vídeo sobre a cidade de Barcelona hoje. Vários turistas permaneciam ali assistindo, em um atitude até agora incompreensível. Talvez as coisas pareçam mais bonitas na TV mesmo…

Saindo do Museu Van Gogh fui tentar encontrar meu Albergue, que descobri ser bem longe do centro. Resolvi ir andando até a estação onde poderia pegar o Tram certo, depois de frustrantemente perguntar por informações e pegar dois Trams errados. Tram é o nome do metro de superfície. Enfim, não sei se foi uma boa idéia porque andei pra caramba, o que foi bom pra conhecer a cidade. Quando finalmente peguei a linha 14, descobri que estava indo para o lado errado, depois de uns 15 minutos. Peguei o mesmo Tram, agora do lado certo, e fiz o caminho de volta, mais o pedaço que faltava até o albergue. Eu praticamente atravessei o centro de Amsterdan todo nesse Tram! Além disso, nesse momento percebi que tinha que pagar. Genial! Minha brasileira conclusão: algumas linhas têm de pagar outras não. Descobri depois ledamente que estava errado…

Enfim, o certo é que consegui chegar ao albergue; morto de cansaço, mas a salvo. Primeira providência que tomei, constatando a conjuntura foi: sair. Se eu ficasse lá ia dormir na certa. Deixei minha bolsa no locker, e incrivelmente, depois de tanta luta, voltei pro lugar que eu estava antes. Agora com a certeza que saberia voltar pelo mesmo caminho.

Tomei umas cervejas num bar onde a máquina de fazer neblina quebrou e deixou o lugar inabitável, daí resolvi voltar pro albergue. Chegando lá, estava com tanto sono que, na sonseira, passei na frente do Tram que eu havia decido! Alguns alemães ficaram me zoando, pelo menos foi isso que eu entendi né… De qualquer forma, estava muito cansado pra dizer alguma coisa. Fui direto dormir.

Sai cedo no outro dia e, novamente, com um mapa na mão, me perdi tentando achar o trem certo. Quando finalmente consegui, pedi informação pra um Argelino que me explicou como chegar no Aeroporto em francês. Nessa hora eu percebi, to fudido em Paris!

No trem, pro meu azar, notei que deveria ter pago, já que um cara apareceu controlando os bilhetes. Disse a ele que não tinha achado o lugar de comprar, o que era parcialmente verdade, porque os únicos lugar que vendiam o ticket eram apenas pra cartão, e perguntei se poderia comprar ali mesmo. Ele disse que não, e que normalmente eu teria que pagar 30 ou 40 euros pela multa, não lembro ao certo. Ele falou que ia relevar mas que eu descesse na próxima estação.

Uma moça muito bonita e simpática que estava ao meu lado se ofereceu pra me acompanhar até o aeroporto e comprar o meu ticket (eu dando o dinheiro pra ela logicamente, por que ai já era de mais!); me disse ainda que foi “a cagada”o que tinha acontecido comigo. Foi ai que eu entendi que as passagens eram vendidas em algumas estações apenas em máquinas, que nem aceitavam dinheiro mais. Bom, depois de tanto andar de graça eu finalmente entendi, mas já tava no aeroporto indo embora mesmo, acho que vou deixar pra pagar na próxima…

Bjao pra todos