dimanche 10 février 2008

Paris - cidade da perdição

31/12 - Paris - Se tivesse de ser descrita, certamente este nome cairia muito bem como substituto de “cidade luz”. Não que os traços marcados do iluminismo estejam se degradando ou se escondendo pela cidade, muito pelo contrario, eles saltam aos olhos por todas as partes. A luz de paris é “something else”. Todo dia é dia de aurora ou dia de presenciar as belezas construídas pela imponência da razão. Contudo, estar em Paris é estar perdido. Mesmo os habitantes locais vivem costumeiramente com um mapa do metrô na mão, ou olhando as direções das placas e os mapas pregados pelos pontos da cidade. Perguntar por sentidos, referências e localizações é muito mais do que “coisa de turista” A minha desconfiança é de que estar perdido em Paris vai além de uma situação cartográfica, é uma “realidade de espírito”. Obviamente, as desvantagens deste tipo de vida são bastante evidentes. A sensação de andar ao relento é angustiante e, na maioria das vezes, também irritante. Entretanto, se estar perdido em Paris perpassa realmente a essência da cidade, tal estado tem também seu encanto.

No meu primeiro dia em Paris, sem lugar pra ir, resolvi parar em um bairro que havia ouvido falar pelos meus amigos. Era algo em torno de 8:00 da manha e estava muito frio. Pro meu deleite, logo descobri que casaco de couro não esquenta no frio. Para aumentar o drama do cenário, eu não havia dormido nada no dia anterior, já que passei a noite no aeroporto Charles de Gaule. Por sinal, uma experiência muito angustiante, já que além do frio, eu estava preocupado demais com as pessoas que vagavam por lá pra conseguir dormir. Assim, depois de uma noite praticamente em claro, encontrava-me no meio da rua com duas malas andando pelo centro de Paris.

Depois de certo tempo, deparei-me com uma das mais belas estruturas que já vi na vida, uma catedral gótica. A iluminação do clarear do dia (aqui amanhece bem tarde), a arquitetura e a minha situação fizeram da minha primeira visualização uma experiência aurática. Segundo as palavras de Benjamin, a aura é a experiência de um “aqui e agora”, radical e insubstituível frente a uma obra única. Apesar da minha postura, ao mesmo tempo, emocionada e um pouco desesperada por não saber para onde ir, notei que algumas pessoas começaram a abrir a porta da catedral e entrar. Perguntei em um francês bem enrolado se poderia entrar com a mala, e a pessoa disse que não havia problema.

Lá dentro, após permanecer alguns minutos admirando algumas obras que ficavam ao lado dos acentos principais, notei que as pessoas estavam se endereçando a parte central da catedral, onde haviam alguns bancos suspensos. Depois de alguns instantes, com as pessoas já dispostas em seus acentos, inclusive alguns de joelhos, um padre começou a rezar uma missa. Senti uma emoção muito grande, como se eu realmente fizesse parte do culto, apesar de não entender uma palavra do que ele falava. Só haviam poucas pessoas no local, mas a devoção de alguns senhores e senhoras idosos, praticamente se arrastando até ali, foi tocante. A experiência certamente vai muito além da possibilidade de descrição. Podemos pensar Kantianamente e dizer que, nessas experiências estéticas (sentido) o que vale é justamente o fato de se constituírem como uma experiência e não como um discurso. Com isso, ganho uma certa desculpa arranjada para minha falta de talento na narração. O certo é que saí de lá revigorado e pronto pra continuar perdido em Paris. A catedral em questão era a Notre Dame.

Andava pelas ruas e, vez por outra, era surpreendido por uma bela igreja, um singelo parque, um pequeno charmoso café ou ainda um prédio de magnífica arquitetura. Andar “despretensiosamente” por Paris, às vezes com aspas, outras vezes sem; querendo encontrar algo, outras vezes não, é estar na absoluta possibilidade de se surpreender. Heráclito diz algo como: quem não espera o inesperado, pra ele não tem vias de acesso... pois, diria eu, que Paris acena a todo momento, com bandeiras e fogos, para esse colocar-se no aberto de uma experiência radical com o inesperado, à abertura do ser. A força desse aceno a possibilidade do súbito de uma experiência radical é quase um tapa na cara a todo momento, parece fazer parte estrutural da cidade; muito mais do que estar reservada a um museu específico ou uma bela paisagem.

Já vi apresentações na rua de música e performances que certamente mereceriam um espetáculo próprio, no entanto, perderiam a habitação deste inesperado; não beberiam dessa fonte de aura invisível que funda a essência de Paris, não estariam perdidos resguardando seu acontecimento próprio, se fossem deslocados pra outro espaço. Paris é a cidade da perdição por que, como diz Noel, “quem acha, vive se perdendo”.

3 commentaires:

Uliana a dit…

Daniel,

Cara, ler o que você escreve é partilhar um pouco das paisagens que você descreve, é ser surpreendido por esse inesperado.
A sua narrativa é intoxicante, inebriante.
Continue assim!
Grande abraço da família (postiça) saudosa.

Unknown a dit…

Vc tah pra Paris assim como Borges pra Buenos Aires...
Exageros a parte, ta bom pra cacete!!

bjunda

Leonardo Machado a dit…

é rapaz, pensou que ficaria "achado" por aí? Essa radicalidade de aceitar o perdido é que torna a experiência aurática, seu heideggerianozinho, auheaiehauheiaeha.
Respondi teu comentário no meu blog, irmão.
Abraço